Alguns dias atrás, ouvi um pastor afirmar, até com certo orgulho, que atendia uma média de 30 pessoas por dia em seu gabinete pastoral. A princípio, aquela afirmação me deixou pasmo. Nunca tinha ouvido falar de alguém que tivesse conseguido tal façanha.
Considerando que este pastor trabalha ininterruptamente (sem parar para
almoço, água, cafézinho, banheiro etc.) das 8 da manhã às 6 da tarde, ou seja,
10 horas, ele disporia apenas de 20 minutos para cada pessoa, isso sem contar o
tempo que se perde entre a saída de um e a entrada de outro.
Vinte minutos para ouvir os dilemas da alma e do coração, aconselhar,
orientar e orar com cada um. De duas uma: ou há um certo exagero nos números,
comum das estatísticas dos pastores no Brasil, ou o significado da vocação
pastoral foi completamente perdido.
Não pretendo, aqui, analisar este fato específico mas, fazer algumas
considerações em torno da figura do pastor no mundo moderno. As mudanças pelas
quais o mundo vem passando são profundas e rápidas e, inegavelmente, afetam
tanto a igreja como o sacerdócio.
A Igreja moderna transformou-se num negócio, numa empresa, e o pastor
num executivo que luta para manter-se no mercado. Esta é, talvez, uma das
mudanças mais significativas e sérias que estamos atravessando.
Somos agora executivos eclesiásticos, circulando com agendas
eletrônicas, telefones celulares, secretárias, auxiliares e assistentes, para
atender a um volume cada vez maior de reuniões, entrevistas, conferências,
aconselhamentos, etc. Ser ocupado, tornou-se um símbolo de "status" e
sucesso tanto no mundo secular como no religioso. Ter uma agenda repleta de
compromissos é sinal de competência; afinal, ninguém considera um médico
competente, cuja sala de espera do consultório encontra-se absolutamente vazia,
e ele, confortavelmente sentado em sua cadeira lendo uma boa revista. Para ser
competente, precisa estar com a agenda dos próximos meses completamente cheia.
Este sim é um bom profissional. Nesta busca por sucesso e "status"
não temos mais tempo para construirmos amizades verdadeiras e profundas, nem
tempo para caminharmos com nossos amigos no caminho do discipulado. Não temos
tempo para ouvir as histórias dos velhos, os dramas dos mais novos e as crises
da alma humana. Dispomos apenas de 20 minutos.
Vivemos hoje um processo de profissionalização do sacerdócio, o qual vem
deixando de ser uma vocação para tornar-se numa profissão, e isto faz uma
diferença tremenda nos resultados. Henri Nouwen em seu livro "Creative
Ministry" apresenta três perigos ou armadilhas que estes líderes
profissionais enfrentam.
O primeiro é o perigo do concretismo.
Trata-se da tendencia ou inclinação de ter como motivação principal os
resultados objetivos e concretos decorrentes das ações do ministério.
Muitos líderes encontram-se frustrados porque os resultados que esperam
nem sempre aparecem com rapidez e objetividade que gostariam.
O profissionalismo nos induz a avaliar o ministério por resultados
mensuráveis. No entanto, o ministro da reconciliação que atua na promoção do
encontro do homem com Deus, com o próximo e consigo mesmo, não pode avaliar seu
ministério por resultados mensuráveis estatisticamente.
O segundo perigo é o do poder.
Líderes profissionais encontram-se constantemente diante do perigo de
criarem pequenos reinos para eles mesmos. O profissional necessita ser
reconhecido, admirado, aclamado.
Precisa sentir-se e preservar-se superior aos outros para mante-los
cativos e dependentes. Geralmente o líder profissional é cercado de admiradores
e não de discípulos, de dependentes emocionais e não de amigos. O poder impede
que as pontes de amizade e comunhão sejam estabelecidas. O líder profissional
que cai na armadilha do poder acaba tornando-se um anti ministro da
reconciliação.
O terceiro perigo é o do orgulho.
O profissional reconhece que as mudanças precisam acontecer, empenha-se
em converter as pessoas mas é tentado a pensar que ele próprio não precisa de
conversão. Ao invez de reconhecer que é parte da comunidade que serve, veste a
fantasia de "messias", intocável, sempre correto e justo.
A natureza da vocação é essencialmente relacional. Somos chamados para
promover a reconciliação. Este chamado envolve mais do que a capacidade de
execução de projetos de natureza religiosa ou conversas de 20 minutos; envolve
a arte de penetrar nos lugares secretos da alma humana e trazer para dentro
deles a presença divina, conduzi-los à experiência da oração e ao encontro com
o Criador. Isto exige tempo. A profissionalização do ministério torna-nos
desumanos, mais preocupados conosco e nosso sucesso do que com a vida e seus
afetos.
Algum tempo atrás uma paroquiana abordou-me mais ou menos assim:
"Sei que você é uma pessoa bastante ocupada, e que quase nunca tem tempo,
mas gostaria de poder conversar um pouco". Talvez devesse ficar contente
com este "elogio", mas, se não tenho mais tempo para conversar com as
pessoas, se estou tão absorvido com meus "negócios" que já não
disponho de tempo para o pastoreio, se minha agenda anda tão cheia a ponto de
não poder sentar e ouvir um pouco as conversas sobre a vida, que tipo de pastor
sou? Precisamos resgatar a natureza da vocação da igreja e do pastor. Não fomos
chamados para o mercado, mas para a vida.
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